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Uma história escrita a duas mãos.
Voltou a dobrar a carta. Não queria ler. Não queria tornar real o que já sabia ser inevitável... Deitou-se para trás, com as mãos a tapar o rosto, molhado. Sentiu-se ridícula mais uma vez. Por ter-se metido naquela confusão, por ter-se deixado envolver tanto assim, a ponto de estar a sentir-se desfeita. Porque é que estaria surpreendida? No fundo, ele não passava de um desconhecido.
- É só um desconhecido, Alice. Não tinhas porque esperar o que quer que fosse dele. Não sejas burra, lê a carta. - Os pensamentos na sua cabeça estavam um turbilhão.
Limpou a cara, voltou a sentar-se na cama, respirou fundo e continuou:
"Querida Alice,
Lamento, mas não posso voltar. Há muitas coisas que não posso nem consigo explicar-lhe ainda e lamento por isso também. Não espero, nem acredito, que compreenda, mas desejava tanto que isso fosse possível. Se soubesse o quanto é difícil, para mim, que as coisas sejam assim... Mas é o mais correcto, agora, para os dois. Acredite... Confie em mim, uma última vez.
Deixo-lhe o anti-inflamatório que lhe prometi e algum dinheiro para ajudar na despesa do quarto.
Desejo-lhe, do fundo do coração, as melhoras e uma continuação de jornada muito feliz. Continuarei a caminhar deste lado...
Pode ser que um dia, quando tudo for diferente, a vida volte a fazer-nos cruzar por aí. Eu iria gostar muito.
Lamento, mais uma vez.
Um beijo,
Pedro."
Não devia estar surpreendida ou desiludida, no fundo Pedro era um desconhecido. Mas a verdade é que estava. O pouco tempo que o teve ao seu lado foi muito intenso. Sentia que tinham estado em verdadeira sintonia. E tinha sido ele a desafiá-la a partilharem esta experiência. Ela aceitou com enorme vontade, mas foi ele que a desafiou. Para quê? Porquê? Foi impensado, precipitado e arrependeu-se? E nem sequer teve a coragem de lho dizer pessoalmente, antes de fugir? Os pensamentos, as dúvidas, não a deixavam em paz. Mas agora tudo tinha acabado. Finalmente a incerteza teve um ponto final. Pedro não ia voltar.
Alice tomou um banho quente, desceu do quarto para comer alguma coisa, tomou o anti-inflamatório, pagou as despesas sem dar oportunidade a que lhe fizessem perguntas e saiu o mais rapidamente que pôde dali.
Do outro lado, Pedro pensava nas palavras que lhe tinha escrito, uma a uma...
Pedro vagueou pelas ruas durante horas. Sentia-se como se um torno lhe apertasse o peito. Mas no fundo ele sabia que havia momentos na vida em que as pessoas não tinham alternativa senão fazer o que estava certo. Seria muito mais excitante e divertido se pudessem fazer o que lhe apetecesse, no entanto, o mais certo era alguém acabar por se magoar.
Longe dali, Alice abriu o envelope almofadado e viu de imediato a embalagem do analgésico. As mãos começaram a tremer-lhe e sentiu que o chão lhe fugia dos pés. Por um lado, não queria ler a carta, por outro, tinha que acabar de uma vez por todas com aquele impasse.
Sentou-se na cama, desdobrou a carta e leu mentalmente:
“Querida Alice,
Alice acordou já a meio da tarde. Nem quis acreditar quando olhou para o relógio e viu que já era tão tarde. Olhou à sua volta, a sentir-se perdida. Tudo permanecia igual. Nem um sinal dele. Continuava sozinha. Ele não ia voltar, esse pensamento não lhe saía da cabeça. E do coração, que lhe tremia dentro do peito. Só queria voltar a adormecer e acordar só quando toda esta situação tivesse passado. Mas não podia, a vida não pára.
Levantou-se, foi até à casa de banho, olhou-se ao espelho. Olhos inchados, das lágrimas que caíram até adormecer. E das que sentia que ainda estavam para cair, a qualquer momento. Apesar de ter dormido até tarde, sentia que não descansara. A cabeça latejava. As dores do pé quase não se faziam sentir, em comparação com a dor da desilusão que sentia dentro de si. Sentia-se sem forças, o seu organismo precisava comer. Mas não conseguia sair do quarto, nem falar com ninguém. Sentia-se sem forças sobretudo de encarar o mundo lá fora que sabia que ela esperava o suposto marido... que não aparecera.
Passou a cara por água e voltou a enfiar-se na cama. A ver as horas passar. Quase sem sentir nada. E assim passou mais uma noite, entregue à angústia de não saber o que fazer. Amanhã era outro dia. Passou a noite quase em claro e, quando estava quase a deixar-se vencer pelo sono e cansaço, batem à porta. O seu coração quase parou, gelou. Levantou-se, a medo, e abriu. A recepcionista, com um envelope nas mãos.
Alice não disse uma palavra, recebeu-o e voltou a fechar a porta. Abriu o envelope e ficou com o coração nas mãos, ao ver o que tinha dentro.